“Minhas causas valem mais que minha vida”, dizia Dom Pedro Casaldáliga, padre, bispo, missionário de São Félix do Araguaia, que faleceu no último 8 de agosto. Se suas causas valiam mais do que sua vida, Pedro fez delas sua vida. Tinha uma forma própria de se portar – sempre de forma simples e humilde, desde o falar até a forma de se vestir – e de defender a vida (dos outros).
Nascido Pere Casaldàliga i Pla em Balsareny, na província de Barcelona, na Catalunha, chegou ao Brasil, como padre, em 1968 para uma missão claretiana (ele fazia parte da Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria, fundado por Santo Antônio Maria Claret) no estado do Mato Grosso. Lá ele começou a testemunhar de perto a realidade cruel que o esperava.
Em 1970, aquele que viria a ser conhecido mundialmente pela defesa dos direitos humanos, dos povos indígenas e pela sua constante defesa e preferência pelos pobres, foi nomeado administrador apostólico da prelazia de São Félix do Araguaia (Mato Grosso) e posteriormente bispo da prelazia. Foi nessa época também que publicou as primeiras denúncias à existência do trabalho análogo a escravidão no Brasil. De lá para cá foram inúmeras ações em favor da população de São Félix e a todos os menos favorecidos e marginalizados. Foi responsável por uma evangelização voltada para a promoção humana e sem colonialismo e de oposição à truculência da ditadura.
Tendo tido sua vida ameaçada diversas vezes viu vários de seus companheiros de luta morrerem. Contam até mesmo que um morreu em seu lugar – visto que o marcado para morrer era um bispo porém Dom Pedro Casaldáliga mas ele não tinha o costume de se vestir como os trajes eclesiásticos; preferindo um vestuário mais simples (um chapéu de palha em vez da mitra, um cajado indígena em vez do báculo e um anel de tucum em vez do anel de ouro).
O primeiro bispo prelado de São Félix representou até o seu último sopro de vida uma grande referência para a Igreja Católica no Brasil mas também para a política, para os avanços nos direitos dos povos indígenas, para as populações ribeirinhas e tantos outros; mas seu legado e sua marca continuarão sendo referência e incentivo para todos os que o conheceram ou ouviram sua história – ultrapassando as demarcações nacionais. Como resultado de toda uma vida de dedicação à Criação e aos filhos e criaturas de Deus, o velho Pedro foi enterrado como sempre desejou: na beira do rio Araguaia, de baixo de um pé de pequi, no Cemitério dos Karajá – mesmo local onde eram enterrados indígenas e trabalhadores sem terra que foram assassinados pelos grileiros da região; sendo até no seu próprio enterro, um exemplo de tudo que pregou e viveu.

O óbvio precisa ser dito e vivido e foi isso que Dom Pedro Casaldáliga fez. Que seu exemplo e suas lutas possam representar para todos nós a esperança da perseverança. E, como ele mesmo costumava dizer: “na dúvida, fique do lado dos pobres.”

Ana-Clara Fontenelle – Rio de Janeiro